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Autoeuropa: beco sem saída ou autoestrada?

 | Diário de Notícias
Rui Valente (sócio responsável do Dpto. Laboral)
No momento em que estas linhas são escritas, ainda não há acordo entre a empresa e os trabalhadores em torno dos termos em que a Autoeuropa poderá trabalhar aos sábados e com um terceiro turno que lhe permita responder à possibilidade de produzir o modelo T-Roc da Volkswagen. 
 
Não dispondo de todos os pressupostos factuais concretos do tema, não o analisaremos no plano jurídico. Dir-se-á apenas, em termos abstratos, que existindo autorização administrativa para laboração contínua (ou ao menos para laborar aos sábados) e não havendo obstáculo de tipo contratual (por exemplo, horários individualmente acordados), uma recomposição pelo empregador dos horários, ou criação de novos turnos (abrangendo, ou não os sábados), encontra no Código do Trabalho enquadramento jurídico. 
 
Em todo o caso, analisando a posição pública dos agentes envolvidos (por exemplo, sindicais e políticos), não parece estar sequer no aspeto estritamente legal o cerne da questão.
 
A verdade é que falta um acordo e os media não se cansam (e bem) de nos lembrar do que realmente falamos cada vez que se fala na Autoeuropa: cerca de 3300 postos de trabalho (com possibilidade de de vir a chegar aos cerca de 4000) e uma importância económica rondando 1% do nosso produto interno bruto. O mais arrepiante do dissídio que atualmente existe assenta, portanto, no impressionante da dimensão da empresa, da sua relevância económica e social. 
 
Nessa medida, está bom de ver que um eventual cenário dantesco de saída da empresa de Portugal (ou da saída da produção deste modelo) não seria apenas um problema para a empresa, para os seus trabalhadores ou para o distrito de Setúbal - seria um problema para todo o país.
 
Não obstante, o mais notável é que a chave da questão parece estar exatamente onde sempre esteve.
 
Apesar de a temática extravasar as paredes da empresa, não foi até ao momento possível (provavelmente dificilmente seria) encontrar uma solução política, até pelo fosso que separa as múltiplas visões acerca da questão, um fosso escavado em divergências ideológicas e que existem não apenas entre os partidos que suportam o governo e os partidos da oposição, mas mesmo entre aqueles dois (PCP e Bloco de Esquerda). 
 
E a verdade é que, sob o (e para além do) debate político, o que há na Autoeuropa é também (e sobretudo) uma questão laboral: quem terá de trabalhar aos sábados e naquele regime de turnos serão aqueles trabalhadores, tendo as contrapartidas que forem disponibilizadas por aquela empresa. Tais realidades concretas exigem de parte a parte uma reflexão muito mais pragmática e profunda - qual o consenso possível para manter uma história de sucesso que vai ao encontro de um interesse comum?
 
Assim, por muito nacional que o tema seja, o certo é que - mal ou bem - estamos todos pendentes daquilo que se decida dentro das paredes da Autoeuropa. Certamente com esforço e elevado sentido de responsabilidade. 
 
De facto, para evitar um beco sem saída, parece óbvio ser, uma vez mais, no interior da empresa (e porventura só ali), nas mãos daquelas concretas pessoas e entidade, que continua a estar o acesso à mesma autoestrada que trouxe a Autoeuropa até àquilo que é hoje, uma autoestrada na qual todos têm (temos) interesse em circular.
 
Uma solução negociada tendo em conta as particularidades e obtida pelas pessoas vivendo uma determinada realidade concreta é, de resto, algo que todos os dias acontece, longe dos holofotes, nas profundezas do país real, em tantas e tantas empresas.