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Arbitragem de investimento intracomunitário: aviso laranja!

Portugal -   | Advocatus
João Duarte de Sousa, sócio responsável do Dpto. Contencioso e Arbitragem

No passado dia 6 de março, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no processo República Eslovaca v. Achmea BV, decidiu que uma cláusula de arbitragem inserida no Tratado de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos (internacionalmente conhecidos por BIT - Bilateral Investment Treaty) celebrado entre a Holanda e a então República Federal Checa e Eslovaca é incompatível com o direito da União Europeia (UE). 

O litígio que está na origem desta decisão é o seguinte: em 2004, a Eslováquia, no âmbito de uma reforma do seu sistema de saúde, abriu o seu mercado aos operadores nacionais e de outros Estados que ofereciam prestações de seguros de saúde privados.  

A Achmea BV, pertencente a um grupo segurador holandês, depois de obter a necessária licença para operar, estabeleceu uma filial na Eslováquia através da qual realizava a prestação dos seus serviços. Posteriormente, a Eslováquia reviu parcialmente a liberalização de tal mercado, tendo, em 2007, proibido a distribuição de lucros obtidos a partir das atividades de seguros privados. Por considerar que as medidas legislativas da Eslováquia lhe tinham causado prejuízo, a Achmea BV, ao abrigo da cláusula de arbitragem prevista no respetivo BIT iniciou uma arbitragem contra a Eslováquia. O Tribunal Arbitral condenou a Eslováquia no pagamento à Achmea BV de uma indemnização no montante de 22,1 milhões de euros. A Eslováquia impugnou a sentença arbitral por via de ação de anulação junto dos Tribunais Alemães e o Supremo Tribunal Federal, por via do mecanismo de reenvio prejudicial, colocou ao TJUE a questão de saber, no essencial, se a cláusula de arbitragem do BIT em causa era compatível com o direito da UE. 

Alemanha, França, Reino Unido, Holanda, Áustria e Finlândia - tradicionalmente Estados de origem dos investidores e raramente demandados em arbitragens de investimento intracomunitário - intervieram no processo e apresentaram observações no sentido de apoiar a tese da compatibilidade da cláusula de arbitragem em causa, e de outras similares utilizadas nos 196 BITs intracomunitários em vigor, com o direito da UE.

República Checa, Estónia, Grécia, Espanha, Itália, Chipre, Letónia, Hungria, Polónia, Roménia - todos com histórico em serem demandados em arbitragem de investimento intracomunitário - formam parte do grupo de Estados-Membros que intervieram no processo em apoio da tese contrária defendida pela Eslováquia. A Comissão Europeia - sem grande surpresa - também alinhou pela tese da incompatibilidade.

Contra as conclusões do Advogado-Geral, o TJUE respondeu, em síntese, que uma cláusula arbitral incluída em BITs intracomunitários, como aquela subscrita pela Holanda e a Eslováquia, é contrária à autonomia do direito da UE.

Trata-se de uma decisão sem precedentes e, sem dúvida, controversa cujos fundamentos e as inúmeras, bem como, complexas questões jurídicas que esta decisão do TJUE suscita irão certamente animar um profícuo e intenso debate entre especialistas nos próximos tempos. Para já, se tivermos em conta que Portugal também é parte em BITs intracomunitários, designadamente com a Bulgária, República Checa, Alemanha, Hungria, Lituânia, Letónia, Polónia, Roménia, Eslováquia e Eslovénia, facilmente podemos concluir que esta decisão do TJUE também nos afeta.

Fico o aviso - laranja - à navegação: esta decisão do TJUE é suscetível de introduzir um novo e ponderoso fator de incerteza e insegurança em matéria de BITs intracomunitários e de investimentos realizados ou a realizar na UE.