Euribor: em contagem decrescente para o fim anunciado
A reforma da Euribor continua e vai trazer mudanças com impacto nos mercados financeiros grossistas e retalhistas, de um ponto de vista financeiro, operacional e de sistemas, jurídico e comercial. É importante estar atento e ponderar a adoção de determinadas medidas para evitar riscos jurídicos graves.
A Euribor desempenha um papel fundamental no nosso sistema financeiro e no nosso mercado de capitais, estando presente quer no financiamento de todo o tipo de empresas e nas mais complexas transações financeiras, quer no financiamento das famílias e, por isso, caracteriza-se naturalmente por ter uma importante vertente contratual e regulatória.
A Euribor consiste num índice construído com base em cotações fornecidas por um painel de bancos Europeus (de Portugal, apenas a Caixa Geral de Depósitos participa) dos juros oferecidos para depósitos não garantidos em euros a diversos prazos. Pretende refletir o custo de financiamento das entidades. O índice Euribor é administrado pelo European Money Market Institute (EMMI), uma associação internacional sem fins lucrativos. Como é do conhecimento geral, este índice é geralmente utilizado na zona euro como taxa base à qual se adiciona o diferencial acordado para determinar a taxa de juro de um contrato ou de um valor mobiliário negociável.
Em resposta aos escândalos dos últimos anos que envolveram a manipulação de diversos índices de referência, entre outros motivos, foi promulgado o Regulamento europeu relativo aos índices utilizados como índices de referência (Regulamento (UE) 2016/1011, de 8 de junho de 2016), também designado “BMR”, que impõe obrigações aos administradores dos referidos índices e às entidades que contribuem para a sua fixação, mas também aos emitentes, mutuários e mutuantes que os utilizam.
Para além das obrigações introduzidas pelo BMR (que obriga designadamente a usar referências apropriadas e a revê-las regularmente), os escândalos dos últimos anos em torno dos índices de referência geraram também alguma aversão por parte dos bancos aos riscos (nomeadamente, reputacionais e de litigância) associados à sua participação na fixação da Euribor. Acresce que o financiamento interbancário também diminuiu, razão pela qual muitas vezes o índice se afasta do preço fixado em transações reais.
Estes e outros motivos levam à reforma da Euribor tal como hoje a conhecemos.
O futuro sombrio da Euribor
A reforma da Euribor já trouxe certas alterações institucionais e ajustes, tendo designadamente o Banco Central Europeu (BCE) assumido um papel bastante ativo na mesma.
Neste contexto, tem sido entendido que a Euribor, na sua forma atual, não cumpre os requisitos de integridade e precisão do BMR e, neste sentido, o seu uso poderá não ser permitido a partir de janeiro de 2020 (a não ser que o prazo previsto na BMR seja prorrogado) pelo menos nos novos contratos, caso não se proceda à reforma da Euribor em conformidade.
Para substituir a Eonia, a atual taxa overnight, o BCE aposta numa nova taxa de juro a um dia e livre de riscos chamada Ester (acrónimo para “euro short-term rate”). Não obstante, tem sido assinalado o facto de a Ester poder não ser a melhor taxa de referência no mercado para períodos mais longos, devendo ser o setor privado a promover e a selecionar as fórmulas adequadas para esse efeito.
Assim, prevê-se que a Ester substitua a Eonia sendo, em consequência, necessário adaptar os contratos nesse sentido. Ao contrário da potencial substituição da Euribor, não se antecipa que a substituição da Eonia cause sérios constrangimentos e complicações de um ponto de vista regulatório e contratual, já que a Ester será previsivelmente administrada pelo BCE e as referências contratuais à Eonia são menores.
Mais preocupante parece ser o futuro da Euribor. Com efeito, parece claro que, no seu formato atual, este índice é inviável e terá de sofrer alterações ou acabará por desaparecer e ser substituído, seja por outro índice consensualizado entre o setor privado, por múltiplos índices ou, inclusivamente, atribuindo-se à Ester o papel substitutivo. Neste contexto, o EMMI encontra-se atualmente a explorar a viabilidade de um modelo híbrido para a Euribor, no qual a metodologia se apoia, sempre que possível, em operações e, quando necessário, noutras fontes de fixação de preços de mercado relacionadas.
A experiência com outras taxas não é tranquilizadora. O regulador britânico deixará de exigir cotações para fixar a Libor a partir de 2021 (que será substituída pela Sonia no overnight) e todos temem o seu fim, salvo eventualmente para contratos já existentes. Note-se ainda que na União Europeia o prazo atual para reformar ou, inclusivamente, substituir, a Euribor é ainda mais apertado do que no caso do Reino Unido relativamente à Libor.
Incertezas e recomendações
Vários contratos e instrumentos financeiros contêm cláusulas que têm por referência a Euribor. A Euribor figura como taxa de referência em diversos contratos e instrumentos financeiros, designadamente em contratos de financiamento, seja com empresas ou famílias (e, neste último caso, basta pensar nos contratos de crédito à habitação onde, em Portugal, é prática comum utilizar este índice) e em contratos de derivados, na documentação contratual subjacente a emissões de valores mobiliários, a produtos financeiros complexos e a fundos de investimento, em operações de titularização de créditos, etc.
O impacto da reforma ou até eventual substituição da Euribor nestes contratos e instrumentos é incerto. Com efeito, as futuras alterações na natureza, forma de cálculo e resultado do índice reformulado ou dos que o possam substituir poderão levar, na grande maioria dos contratos, à necessidade de rever e adaptar as cláusulas relevantes.
Ponto assente é que o período transitório previsto no BMR termina a 1 de janeiro de 2020. Não obstante, as instituições financeiras, empresas e emitentes deverão desde já ter em consideração, nomeadamente, o seguinte:
Nos contratos existentes
- Nas diferentes áreas de negócio, será necessário analisar a documentação em vigor entre as partes e a relação com cada tipo de cliente, no sentido de adaptar os contratos financeiros e documentos de emissão de valores mobiliários, entre outros, à realidade de uma nova Euribor, a uma diversidade de taxas possíveis ou, até mesmo, a uma taxa bastante diferente, como a Ester.
- Com a implementação do BMR deverão ser utilizados índices válidos e incluídas cláusulas de substituição adequadas, tendo a ISDA recentemente já proposto cláusulas para efetuar essa substituição de forma ordenada;
- Especial atenção deverá ser dada aos contratos com consumidores para evitar litígios em massa e aos documentos subjacentes a emissões de valores mobiliários, nos quais as alterações necessárias poderão exigir a prévia obtenção do consentimento das (muitas) partes envolvidas;
- Mesmo nos casos das operações em que os contratos existentes já preveem mecanismos de substituição, o futuro acionamento de tais mecanismos, muitas vezes de forma unilateral ou pouco consensualizada, poderá não isentar a entidade relevante de riscos de litigância futura, devendo a documentação subjacente e as cláusulas relevantes serem analisadas caso-a-caso.
Nos contratos a celebrar no futuro
- Os modelos contratuais para os diversos tipos de operações deverão ser trabalhados e adaptados ao(s) futuro(s) novo(s) cenário(s);
- Deverá proceder-se à identificação e análise do novo índice (ou índices) emergente;
- Especial atenção deverá ser dada ao nível da transparência e completude da informação prestada, nomeadamente aos clientes, bem como no âmbito de prospetos de emissão ou oferta de valores mobiliários e de OICs;
- O impacto da reforma da Euribor nas obrigações regulatórias das instituições financeiras deverá ser ponderado, nomeadamente no que respeita às obrigações relacionadas com product governance.
Instituições financeiras, empresas e emitentes devem, sem dúvida, ser proactivos neste campo, pois as implicações sobre o nível e a previsibilidade dos seus custos de financiamento, as suas coberturas e os seus direitos contratuais poderão ser significativas.
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