Tribunal Constitucional Português: Caixa Geral de Depósitos perde vantagem relativamente à força executiva dos seus contratos
Esta decisão, ao determinar uma igualdade de tratamento entre a CGD e as demais instituições de crédito relativamente à força executiva dos seus contratos, vem colocar a CGD, em matéria de cobrança judicial dos seus créditos, na mesma posição em que se encontram os demais bancos que operam no mercado português.
O Tribunal Constitucional (TC) proferiu Acórdão (Acórdão do TC nº 877/2023) que veio declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no nº 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 287/93, de 20.08 (DL 287/93), segundo a qual revestem de força executiva os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela Caixa Geral de Depósitos (CGD), prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades.
O referido Acórdão foi publicado em Diário da República, 1ª série, em 25.01.2024 e o presente publicação expõe os pontos mais relevantes da fundamentação desta decisão.
I. Questão a resolver pelo TC
Por iniciativa do representante do Ministério Público junto do TC, o TC procedeu à apreciação de um pedido de generalização do juízo de inconstitucionalidade que o TC afirmou em mais de três casos concretos relativamente à norma contida no nº 4 do artigo 9º do DL 287/93.
A sindicância constitucional de tal norma surge em resultado da reforma legislativa do Código de Processo Civil (CPC), ocorrida em 2013, a qual restringiu o elenco de títulos executivos e deixou de atribuir força executiva à generalidade dos documentos particulares assinados pelo devedor. A partir de tal reforma, a norma em causa deixa de constituir uma redundância – por consagrar uma solução idêntica à solução geral de atribuir força executiva aos documentos particulares assinados pelo devedor – para passar a constituir um benefício específico da CGD.
A questão a resolver pelo TC coloca-se nos seguintes termos: existirá aqui um tratamento privilegiado da CGD relativamente às demais instituições de crédito ou, simetricamente, um tratamento prejudicial dos devedores da CGD relativamente aos devedores das demais instituições de crédito? Existirá aqui uma violação do princípio constitucional da igualdade?
O TC, reiterando anterior jurisprudência do TC, decidiu no sentido de declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da referida norma por violação do princípio constitucional da igualdade.
II. Argumentos principais sustentados pelo TC
- Não se identifica na CGD uma qualidade em virtude da qual seja plausível afirmar-se que os documentos assinados pelo devedor da CGD possuem uma vocação de acertamento diferenciada, no sentido de lhe ser dispensado o recurso à ação declarativa para obter o prévio acertamento jurisdicional que serve de ponto de partida para a ação executiva.
- Não se encontra justificação para concluir que os documentos da CGD abrangidos pela norma em causa possuem um grau diferenciado de idoneidade de acertamento dos créditos neles representados;
Para sustentar tais argumentos, o TC invoca diversas circunstâncias:
- A transformação da CGD numa sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos com o propósito expresso de a colocar em igualdade de circunstâncias com as demais instituições de crédito que operam no sistema financeiro português;
- A sujeição da CGD a um regime de direito privado ou, mais rigorosamente, a aplicação à CGD de regras idênticas às que regem as demais instituições de crédito privadas;
- A aplicação à CGD, no que respeita aos seus funcionários, do regime jurídico do contrato individual de trabalho;
- Os funcionários da CGD que outorgam tais documentos não se encontram investidos em fé pública.
III. Conclusão
O juízo de censura jurídico-constitucional da norma em causa, efetuado à luz do parâmetro constitucional do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição, e na esteira do entendimento uniforme que, quanto a esta matéria, vinha sendo manifestado pela jurisprudência do TC, radica, no essencial, na vantagem que tal norma concede à CGD relativamente a outras entidades de crédito, pois permite-lhe o acesso direto à ação executiva, sem necessidade de recorrer a uma prévia ação declarativa ou procedimento de injunção.
Este tratamento desigual, entende o TC, não encontra justificação no Estatuto da CGD nem nas competências e funções dos seus funcionários.
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