2023 não quer ser um outlier fiscal para Portugal
A competitividade do sistema fiscal, a sua simplificação, o estudo continuado de soluções de policy, a estabilidade dos enunciados legais e a sua interpretação em conformidade com o objetivo que presidiu à sua criação, em particular no caso de incentivos fiscais, não tem sido uma prioridade e, infelizmente, 2023 não tem trazido nem trará novidades neste domínio.
De acordo com os principais rankings de referência, Portugal permanece, aparentemente acomodado, entre os países do seu bloco económico que adotam um sistema fiscal menos favorável ao investimento, ostentando a segunda taxa estatutária agregada mais elevada da OCDE, 31,5%, de acordo com dados obtidos no sítio de internet da organização.
Em lugar de regressar à trajetória traçada em 2014, de simplificação, ampliação das bases fiscais e redução da taxa estatutária de IRC, tem-se insistindo em adensar a manta de retalhos que já é o nosso sistema fiscal, apostando em incentivos e desagravamentos, produzidos e apresentados sem estudos robustos que os justifiquem, muitas vezes desenhados e concretizados através de enunciados legais que não beneficiam a sua compreensão pelos agentes económicos.
Não espanta, por isso, que o novíssimo Regime Fiscal de Incentivo à Capitalização das Empresas, que deu à estampa o novo artigo 43.º-D do Estatuto dos Benefícios Fiscais, tenha conhecido já duas versões, ainda no processo de discussão da Lei do Orçamento do Estado para 2023, que o aprovou, e seja agora novamente alterado, ante as variadas inconsistências entretanto detetadas e, já agora, a incredulidade de quem faz profissão explicar a Clientes internacionais o conteúdo técnico destes dispositivos.
Também já não impressiona, nem desilude, o estilo de curva e contra-curva com que se legisla em áreas de relevo para a economia das famílias e do país. Veja-se o caso do alojamento local, atividade desagravada em 2020 com a atribuição de coeficientes de 0,35 a 0,5 no regime simplificado de IRC (quer isto dizer, com uma presunção legal de custos correspondente a 65% ou 50% dos proveitos gerados, dependendo da localização dos imóveis), e que agora se pretende que passe a pagar uma contribuição extraordinária de 20%, aplicável sobre uma base de cálculo ininteligível para o cidadão comum (e não só).
E, se dúvidas subsistissem, é ver como se planeia sanar e provavelmente sanear os pleitos a respeito da natureza jurídica do chamado regime de patent box e a sua submissão (ou não) ao limite quantitativo aplicado a certos benefícios fiscais, passando a estipular-se que este limite não se aplica aos benefícios fiscais constantes do Código do IRC, quando a questão é, e sempre foi, a de determinar a natureza de certos regimes. Tudo isto, com caráter interpretativo, ou seja, com base num “miraculoso” golpe de caneta, quando, pura e simplesmente, se poderia ter evitado a polémica e as dores de cabeça de quem investe e empreende.
Apesar deste panorama, do aparente desprezo pela segurança jurídica, das várias incertezas geradas no plano internacional, Portugal continua a ser capaz de atrair investimento. Algum investimento. Valha-nos o sol, a segurança e o talento gerado em Portugal que vão, apesar de tudo, catalisando a capacidade de empreender e de acolher quem procura empreender.
Não obstante, num mundo cada vez mais competitivo, urge pensar o sistema fiscal de forma competente e integrada. Simplificar. Transferir carga fiscal dos impostos mais distorcivos para os impostos menos distorcivos das decisões económicas, para reduzir o chamado deadweigth loss. Orientar (e redimensionar) o esforço fiscal pedido às famílias e às empresas, garantindo que este se aplica em objetivos macroeconómicos mensuráveis e não se desperdiça em despesa inútil ou não reprodutiva.
É, por outro lado, fundamental garantir a estabilidade e previsibilidade da lei fiscal, seja pela criação de um quadro disciplinador da função legiferante, impondo, por exemplo a realização de estudos de impacto ex ante e ex post, seja pela adoção de procedimentos que estimulem a discussão pública das alterações fiscais.
Finalmente, e porque de nada serve um sistema fiscal competitivo se não for bem administrado, importa promover um alinhamento institucional que estimule a adoção de práticas administrativas previsíveis e de qualidade, reforce a capacidade das autoridades fiscais nos diversos domínios em que atua, e seja capaz de criar um verdadeiro pacto de confiança com os contribuintes, aproveitando o inestimável talento técnico que se reconhece aos trabalhadores e dirigentes da Autoridade Tributária e Aduaneira.
2023 não tem surpreendido. Nem pela positiva, nem pela negativa. 2023 não quer ser um outlier. Até quando?
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