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O que mudou em 2020 no IVA nas operações intracomunitárias

Comentário Fiscal Portugal

Desde 1 de janeiro de 2020 vigoram novas regras relativas ao comércio comunitário que importa conhecer, umas com eficácia imediata desde aquela data, outras transpostas mais tarde mas às quais foram atribuídos efeitos retroativos pela Lei n.º 49/2020, de 24 de agosto

A Diretiva (EU) 2018/1910 do Conselho, de 4 de dezembro de 2018, que alterou a Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CEE), propôs a transposição pelos Estados-Membros de medidas que visam melhorar as regras aplicáveis às operações transfronteiriças e que deviam ter sido adotadas pelos mesmos até 31 de dezembro de 2019.

Estas medidas, mais conhecidas por quick fixes, incluem as seguintes matérias:

  1. Atribuição de um novo papel ao número de identificação IVA do adquirente no contexto das transmissões intracomunitárias isentas;

  2. Previsão legal de elementos de prova que fazem presumir o transporte intracomunitário dos bens para efeitos da aplicação da isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias pelo Regulamento de Execução (EU) 2018/1912 do Conselho, de 4 de dezembro de 2018, que alterou o Regulamento de Execução do IVA [Regulamento de Execução (EU) n.º 282/2011 – “Regulamento”], e que entraram em vigor em 1 de janeiro de 2020;

  3. Adoção de um regime de simplificação relativo à venda de bens à consignação;

  4. Implementação de uma regra comum que determina qual das transmissões nas operações em cadeia deve ser qualificada como intracomunitária.

1. Novo papel do número de identificação IVA do adquirente

A inclusão no sistema de intercâmbio de informações sobre o IVA (Sistema VIES) do número de identificação do adquirente atribuído por Estado-Membro diferente daquele a partir do qual os bens são expedidos, em conjunto com a sua comunicação ao transmitente dos bens, passam a ser condições substantivas necessárias à aplicação da isenção na transmissão de bens prevista no artigo 14.º, n.º 1, a), do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI), para além da comprovação do transporte intracomunitário dos bens. Até ao presente a inscrição no VIES constituía apenas uma condição formal a esta isenção.

Esta isenção deixa de ser igualmente aplicável quando o transmitente não entregue a correspondente declaração recapitulativa, salvo em situações devidamente justificadas devendo o sujeito passivo corrigir a falha com a entrega da declaração em falta.

Recomendações

Apesar de muitos sujeitos passivos atualmente já cumprirem este procedimento, é importante que com a entrada em vigor desta norma, ajustada na atual alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RITI, seja confirmado o registo do adquirente no Sistema VIES sob pena de a isenção de IVA mencionada não ser aplicada e dever ser liquidado o IVA correspondente nas transmissões intracomunitárias de bens que realize, assim como quanto à entrega da declaração recapitulativa. 

2. Prova do transporte intracomunitário

A prova do transporte intracomunitário é a principal condição substantiva necessária à aplicação da isenção em IVA às transmissões intracomunitárias de bens estabelecida no artigo 14.º, n.º 1, a), do RITI.

Estas regras não tinham previsão legal no nosso ordenamento, tendo a Autoridade Tributária (“AT”) emitido instruções administrativas pontuais no sentido de clarificar os documentos considerados idóneos para este efeito.

No entanto, para fazer face ao risco de fraude nestas operações, através do artigo 45.º-A do referido Regulamento, passaram a prever-se regras específicas que presumem o transporte intracomunitário, seja ele da responsabilidade do vendedor ou do adquirente dos bens. Estas regras foram reproduzidas no Ofício-Circulado n.º 30218/2020, de 3 de fevereiro.

De referir que estas regras impõem um controlo exigente da documentação de suporte do transporte, sendo que quando este esteja a cargo do vendedor apenas são exigidos dois documentos para o comprovar. Quando efetuado pelo adquirente são necessários três documentos para alcançar essa presunção, o que dificulta a tarefa do sujeito passivo sobretudo por aqueles documentos estarem na sua maioria no controlo do adquirente, enquanto que é ao transmitente dos bens que cabe determinar a aplicação da isenção do IVA. 

No que respeita às instruções divulgadas pela AT a este respeito, cabe salientar que é esclarecido que, no caso das CMRs, estas devem estar assinadas pelo adquirente para serem consideradas como documentos de prova válidos. Acrescenta-se ainda que os elementos de prova devem ser emitidos por entidades independentes, o que limita a disponibilidade dos documentos de prova.

Recomendações

Em face destas novas regras, recomenda-se a revisão dos procedimentos para confirmar que se observam as novas exigências nas transmissões intracomunitárias de bens. 

Quando o transporte esteja a cargo do adquirente, é recomendável que a fatura de fornecimento dos bens se faça acompanhar desde logo de minuta da declaração a devolver pelo adquirente com os elementos comprovativos necessários à receção dos bens, alertando-o em simultâneo que se a referida declaração não for devolvida até ao décimo dia do mês seguinte ao da entrega dos bens poderá ter que liquidar o IVA devido e proceder à correspondente compensação financeira com créditos eventualmente existentes.

3. Vendas à consignação

O regime de simplificação consagrado no artigo 7.º-A do RITI pela Lei n.º 49/2020, de 24 de agosto, permite a dispensa de registo de IVA pelos sujeitos passivos não residentes e que aqui não tenham estabelecimento estável quando transfiram bens de outro Estado-Membro para o território português para posterior transmissão, num prazo de um ano, a outro sujeito passivo, desde que conheçam a sua identificação nesse momento e se encontrem reunidas outras condições.

Neste caso considera-se que apenas existe uma transmissão intracomunitária de bens quando a propriedade dos bens se transmite para o seu destinatário no referido prazo de um ano.

Este prazo de um ano conta-se a partir da data da chegada dos bens ao Estado-Membro de destino segundo o Ofício-Circulado n.º 30225/2020, de 2 de outubro.

Esta situação mantém-se em caso de substituição do sujeito passivo destinatário em determinadas condições, assim como se os bens retornarem ao Estado-Membro de origem antes de terminar o referido prazo.

Se após um ano o poder de dispor dos bens não for transferido como acordado, ou se dentro do referido prazo de um ano (i) os bens forem transmitidos a pessoa diferente da constante no registo abaixo indicado, (ii) forem expedidos para fora da União Europeia ou para outro Estado-Membro diferente do de origem, (iii) forem destruídos ou roubados, ou (iv) se deixarem de se verificar outras condições, considera-se que o sujeito passivo não residente realiza uma operação assimilada a aquisição intracomunitária de bens em território português pela qual é devido IVA, com o inerente cumprimento das respetivas obrigações declarativas e de liquidação.

Ações

A aplicação deste regime implica o cumprimento de algumas formalidades de controlo, tanto pelo transmitente como pelo adquirente dos bens.

No que respeita ao transmitente, para além do reporte na declaração recapitulativa do período em que se inicia o transporte dos bens, deve ainda efetuar um registo contabilístico autonomizado dos bens transferidos para outro Estado-Membro ao abrigo deste regime, complementando-o com a informação enumerada no ponto 10 do Ofício-Circulado n.º 30218/2020, de 3 de fevereiro (que reproduz o artigo 54.º-A do Regulamento). Se for apoiado por depositário ou armazenista, parte desta informação também deve ser controlada por este.

Relativamente à submissão da declaração recapitulativa, e atendendo que este regime entrou em vigor a 1 de janeiro de 2020 e que o novo modelo de declaração recapitulativa ajustado a estas novas regras apenas foi aprovado em 10 de setembro, devem ser entregues as respetivas declarações que não tenham sido entregues ou as mesmas devem ser substituídas para este efeito até 31 de dezembro de 2020 conforme indicado no Ofício-Circulado n.º 30226/2020, de 2 de outubro.

No que se refere ao adquirente dos bens, este deve também registar em subcontas próprias os bens que receba no contexto deste regime para permitir o controlo da sua aplicação, igualmente complementada com os elementos listados no ponto 10 do Ofício-Circulado n.º 30218/2020, de 3 de fevereiro.

Recomendações

Tendo em conta que muitos números de IVA de entidades não residentes foram solicitados para fazer face a estas situações perante a ausência de regra de simplificação na legislação nacional, sugerimos a reavaliação destes números de IVA no sentido de ser confirmada a possibilidade do seu cancelamento se cumpridas as condições necessárias à sua aplicação. 

4. Operações em cadeia

Estas novas regras visam determinar em qual dos Estados-Membros se considera realizada a transmissão intracomunitária de bens isenta de IVA quando estamos perante transmissões sucessivas de bens que envolvem pelo menos três intervenientes e os bens sejam expedidos a partir de um Estado-Membro para outro Estado-Membro, ou seja, quando se verifique apenas um único transporte intracomunitário.

A transmissão intracomunitária é atribuída ao “sujeito passivo intermédio” (ou “operador intermediário” na aceção constante da citada Diretiva) qualificando-se as restantes operações na cadeia como transmissões internas. Este sujeito passivo deve dispor de número de IVA do Estado-Membro ao qual seja assignado o transporte intracomunitário dos bens e, consequentemente, a transmissão da mesma natureza. Pelo que, o “sujeito passivo intermédio” não pode ser o primeiro fornecedor na cadeia.

Esta medida resulta da adoção de uma regra comum a todos os Estados-Membros que verte a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia a este respeito, e que no nosso ordenamento foi transposta no artigo 14.º, n.ºs 3 a 5, do RITI.

Recomendações

Alertamos para o facto de nestas operações em cadeia deverem ser igualmente atendidas as regras relativas tanto à identificação IVA do adquirente dos bens, como à prova do seu transporte acima enunciadas.