Orçamento do Estado para 2021: sumário das propostas de alteração da lei fiscal
Comentário Portugal Fiscal
A Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2021 centra as suas atenções nos apoios sociais tornados emergentes por força da pandemia e, num comportamento quase inédito, abstém-se de intervir de forma alargada, como é habitual, na tessitura jurídica do sistema fiscal.
A sistemática assunção a legislador tributário do legislador orçamental, constitui um hábito da democracia orçamental, não obstante o clamor de estabilidade legislativa que sempre se escuta dos mais variados setores da economia e da sociedade. Dir-se-ia, agora, que o vírus da instabilidade foi subitamente engolido pelo SARS COV2, amputando ao legislador orçamental a endémica vontade de tudo mudar por ocasião da elaboração deste instrumento de política económica.
Mas as águas paradas da lei sofreram, ainda assim, a turbação daquele velho e persistente vírus e, de uma assentada, arrumou-se com uma vetusta regra pela qual se excluíam da tributação em sede de IMT das transmissões de ações, independentemente da percentagem do capital que representassem e dos ativos que constituíssem o património da sociedade emitente. Não que tenhamos algo contra (ou a favor) da medida que considerações de política legislativa nos poderiam levar a uma longa discussão. O que consideramos é que o momento escolhido para a alteração – provavelmente ser precedida de cuidada avaliação de impacto e tão pouco rodeada das necessárias cautelas – não podia ser o pior, interferindo no funcionamento de um mercado que, não obstante a crise económica que vivemos, teimava em dar algumas alegrias aos seus agentes e a vencer o descalabro geral. Aliás, não é por acaso que tal acontecia já que o setor imobiliário pauta-se, em regra, por opções de investimento de médio e longo prazo e, por isso, menos sensível à conjuntura que vivemos e que, assim se espera, tem os dias mais ou menos contados.
Para além desta medida, avulsa e inoportuna, outra medida vem anunciada com pompa: a redução da retenção na fonte sobre os rendimentos do trabalho! Não vale a pena procurar a medida no texto da Proposta de Lei porque… não está lá! Embora ‘embrulhada’ na Proposta de Lei do Orçamento do Estado a referência à medida consta do Relatório do Orçamento do Estado por não se traduzir numa medida com necessidade de regulamentação ao nível da própria Proposta, embora esteja subjacente à determinação da receita de IRS a arrecadar em 2021 (segundo as contas do Relatório uma redução de 200 milhões de euros em relação ao que seria a aplicação das tabelas atuais). Mas até aqui nada de especialmente novo já que, como o refere o próprio Relatório, a redução da retenção na fonte sobre os rendimentos do trabalho vem na linha do que tem vindo a ser feito em prol da aproximação entre o imposto retido e o imposto devido. Ou seja, a medida, afinal, não terá assim tanta novidade!
Para além da desastrada intervenção inovadora do legislador no IMT e do anúncio de uma medida de IRS que nada tem de novo, a Proposta é um deserto de alterações legislativas. Ainda bem!
Porém, por poucas que sejam as alterações não podíamos deixar de dar conta das que consideramos mais relevantes como fazemos a seguir.
1. IRC - Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas
1.1. Estabelecimento estável
Reforçam-se as normas nacionais respeitantes à definição de estabelecimento estável, à imputação a este de rendimentos gerados pela casa-mãe e às regras anti-fragmentação, no contexto dos esforços continuados de combate à evasão fiscal e transferência de lucros para outras jurisdições, dando execução às orientações da OCDE a este respeito. Nomeadamente:
- Encurta-se para mais de 90 dias (anteriormente seis meses) a duração da atividade relevante para a qualificação como estabelecimento estável das instalações, plataformas ou navios utilizados na prospecção ou exploração de recursos naturais;
- Prevê-se a qualificação como estabelecimento estável das atividades de prestação de serviços (o designado service PE), incluindo de serviços de consultoria, quando tais atividades sejam exercidas com empregados da empresa prestadora ou por esta aqui contratados, e que tenham duração que exceda os 183 dias num período de 12 meses;
- Prevê-se a qualificação como estabelecimento estável quando uma pessoa, que não seja um agente independente, além de exercer poderes de intermediação e representação, tenha habitualmente um papel determinante na celebração dos contratos, ou mantenha em território português um depósito de bens ou mercadorias para entrega em nome da empresa ainda que não celebre nem intervenha na celebração dos contratos relativos a esses bens ou mercadorias;
- Passam a poder ser qualificadas como estabelecimentos estáveis as instalações ou depósito utilizados para entrega de mercadorias.
1.2. Suspensão do agravamento de tributações autónomas
Nos períodos de tributação de 2020 e 2021 não é aplicável o agravamento de 10 pontos percentuais sobre as taxas de tributação autónoma dos sujeitos passivos, que sejam cooperativas, micro, pequenas ou médias empresas, que registem prejuízo fiscal desde que:
- Nos três exercícios anteriores o sujeito passivo tenha obtido lucro tributável em um desses períodos e tenha cumprido as suas obrigações declarativas nos dois períodos de tributação anteriores;
- Se trate do período de tributação do início da atividade ou de um dos dois períodos seguintes.
2. IRS - Imposto sobre as Pessoas Singulares e Segurança Social
2.1. Afetação de imóveis ao património particular do empresário
Com o foco principal nas reafectações de imóveis anteriormente utilizados na atividade de alojamento local, deixam de ser tributadas como mais-valias as afetações de bens imóveis afetos ao ativo da empresa, dando lugar a um regime de reposição faseada nos resultados fiscais do empresário dos gastos relativos a amortizações, imparidades, encargos com empréstimos ou rendas de locação financeira, ou, quando tiver sido aplicado o regime simplificado, da reposição faseada do montante correspondente à aplicação da taxa de 1,5% sobre o valor patrimonial do imóvel à data da transferência, por cada ano ou fração em que o imóvel esteve afeto à atividade.
Considera-se valor de aquisição dos bens imóveis transferidos para o património particular do titular de rendimentos da categoria B o valor do bem à data em que foi adquirido pelo sujeito passivo.
2.2. Mais valias entre entidades relacionadas
Alarga-se expressamente o regime dos preços de transferência do Código do IRC às operações realizadas entre um sujeito passivo de IRS e uma entidade com a qual esteja numa situação de relações especiais.
2.3. Deduções à coleta
Propõe-se incluir no elenco de entidades cujo IVA suportado é dedutível com os limites fixados pelo artigo 78º-F do Código do IRS, as que se dediquem à atividade desportiva e ginásio.
No ano 2020 os contribuintes que pretendam declarar deduções à coleta superiores às constantes dos registos da Autoridade Tributária e Aduaneira poderão fazê-lo por inscrição direta na declaração periódica de rendimentos sem necessidade de promover a reclamação graciosa atualmente exigida, sem prejuízo da sujeição ao ónus de prova dessas mesmas deduções.
3. IVA e outros Impostos Indiretos
3.1. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
Propõe-se estender a 2021 a aplicação da taxa reduzida de IVA às máscaras de proteção respiratória e ao gel desinfetante cutâneo, sendo que a sua aplicação está atualmente limitada a 31 de dezembro de 2020.
Prevê-se prolongar até 30 de abril de 2021 o regime consagrado na Lei n.º 13/2020, de 7 de maio, que isenta de IVA as transmissões e aquisições intracomunitárias de bens necessários para combater os efeitos da pandemia Covid-19.
Contempla-se o adiamento da entrada em vigor das novas regras aplicáveis às vendas de bens à distância de 1 de janeiro para 1 de julho de 2021, estabelecidas pela Lei n.º 47/2020, de 24 de agosto.
3.2. Imposto sobre veículos (ISV)
Não se prevê alteração das taxas.
É criado um desconto na componente ambiental nos veículos usados provenientes de outros Estados-membros da UE.
3.3. Imposto Único de Circulação (IUC)
Não se prevê alteração das taxas mantendo-se o adicional aplicável sobre os veículos a gasóleo das categorias A e B.
4. Benefícios Fiscais
4.1. Mecenato cultural extraordinário
Em reforço dos benefícios atualmente já previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais para o mecenato cultural, a Proposta contempla a majoração desses benefícios em 10 pontos percentuais ou 20 pontos percentuais, quando os donativos sejam dirigidos a ações ou projetos na área da conservação do património ou programação museológica.
4.2. Programa de Valorização do Interior
Através de uma autorização legislativa prevê-se a criação de um Programa de Valorização do Interior contemplando benefícios fiscais – dedução à coleta sobre os gastos incorridos - a sujeitos passivos de IRC que criem postos de trabalho em territórios do interior.
4.3. Planos de Poupança Florestal
Através de uma autorização legislativa prevê-se a atribuição de benefícios fiscais – isenção de juros e dedução à coleta dos valores investidos - aos Planos de Poupança Florestal que sejam regulamentados ao abrigo do Programa para Estímulo ao Financiamento da Floresta.
4.4. Incentivo temporário à promoção externa de PME
Prevê-se que nos anos 2021 e 2022 as PME que invistam coletivamente em projetos de promoção externa, possa majorar as correspondentes despesas qualificadas como relevantes em 110% para efeitos da determinação da base tributável de IRC. Entre as despesas relevantes incluem-se as suportadas com arrendamentos para espaços de exposição, construção de stands, campanhas de marketing, ações de promoção em mercados externos, etc. Estes apoios fiscais ficam sujeitos às regras europeias em matéria de auxílios de minimis gerais ou setoriais.
4.5. Código Fiscal do Investimento
No âmbito do SIFIDE II introduzem-se algumas clarificações no que concerne aos investimentos efetuados em fundos de investimento, públicos ou privados, aos quais passa a ser exigido, para que sejam elegíveis para os benefícios que são concedidos, a realização de investimentos de capital próprio e de quase-capital em empresas dedicadas sobretudo a investigação e desenvolvimento. Como tal são consideradas as que cumpram os requisitos para o reconhecimento como empresa do setor da tecnologia previstos na Portaria 195/2018, mesmo que tenham sido constituídas há mais de seis anos e tenham obtido ou solicitado tal reconhecimento.
Ainda no âmbito do SIFIDE II passa a exigir-se que os investimentos pelos fundos nas empresas dedicadas sobretudo a investigação e desenvolvimento, bem como os investimentos por estas últimas em atividades de investigação e desenvolvimento sejam realizados no prazo de cinco anos sob pena da reposição do benefício da dedução à coleta numa base proporcional. A fim de assegurar a fiscalização desta obrigação os fundos de investimento e as empresas envolvidas passam a ser obrigados a entregar declarações acerca dos investimentos realizados as quais deverão integrar o processo de documentação fiscal dos adquirentes das unidades de participação e dos fundos de investimento.
4.6. Limitação a benefícios fiscais por não manutenção de postos de trabalho
Tendo em vista a proteção do emprego, as grandes empresas com resultado líquido positivo em 2020 não poderão aproveitar da remuneração convencional do capital (artigo 41º-A do EBF), dos regimes de benefícios fiscais contratuais, relativamente a novos contratos, ao regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI) e ao SIFIDE II, bem como ao Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI II), caso deixem de ter ao seu serviço um número médio de trabalhadores igual ou superior ao nível observado em 1 de outubro de 2020.
4.7. IVAucher
É proposta a criação de um programa de apoio e estímulo ao consumo nos setores do alojamento, cultura e restauração, que permite aos consumidores finais acumular o valor correspondente ao IVA suportado em consumos nos setores do alojamento, cultura e restauração, e utilizar esse valor em consumos nesses mesmos setores. A gestão deste IVAucher será feita através de um sistema de compensação interbancária através das entidades responsáveis pelo processamento dos pagamentos eletrónicos.
5. Impostos sobre o Património, Imposto do Selo e Contribuições
5.1. IMI
Propõe-se clarificar e regular a aplicação da isenção relativa à habitação própria e permanente de imóvel que faça parte de herança indivisa.
5.2. IMT
Propõe-se introduzir a tributação das transmissões de ações representativas de 75% ou mais do capital social de sociedades anónimas cujo ativo seja constituído em mais de 50% de bens imóveis situados em território português que não se encontrem diretamente afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial, excluindo a compra e venda de imóveis. Excluem-se da incidência as transmissões de ações de sociedades cotadas num mercado regulamentado.
Clarifica-se que a percentagem de participação correspondente à parte social transmitida é calculada com a imputação proporcional a cada sócio das ações próprias detidas pela sociedade.
5.3. Imposto do Selo
No âmbito da tributação do crédito ao consumo, prevê-se a prorrogação para 2021 do desincentivo do recurso ao crédito ao consumo, através do agravamento de 50% nas taxas aplicáveis.
5.4. Contribuições especiais
5.4.1. Prorrogações de contribuições
É proposta a prorrogação, sem qualquer atualização, das seguintes contribuições:
- Contribuição para o audiovisual;
- Contribuição sobre o setor bancário e adicional de solidariedade sobre o setor bancário;
- Contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica;
- Contribuição extraordinária sobre o setor energético, prevendo-se contudo a possibilidade de revisão do regime atual.
5.4.2. Contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do SNS
Embora mantendo a vigência em 2021 desta contribuição extraordinária propõe-se a introdução de um novo regime de liquidação da contribuição, de base trimestral.
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