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Portugal procedeu à transposição das diretivas europeias de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo para o ordenamento jurídico nacional

A Lei n.º 58/2020, de 31 de Agosto, a qual entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação em Diário da República, no passado dia 1 de setembro, introduz importantes novidades em relação à prevenção da utilização do sistema financeiro para práticas ilegais de branqueamento de capitais. Esta lei incorpora também importantes novidades no âmbito penal e em matérias de proteção de dados pessoais.

Em concreto, a Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto, vem alterar:

  • A Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, a qual reforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo regime geral para as infrações tributárias;

  • A Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, o qual cria o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no sector privado, dando cumprimento à Decisão Quadro n.º 2003/568/JAI, do Conselho, de 22 de Julho;

  • O anexo I à Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro, que aprovou o Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora;

  • A Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpõe parcialmente as Diretivas 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, altera o Código Penal e o Código da Propriedade Industrial e revoga a Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, e o Decreto-Lei n.º 125/2008, de 21 de julho;

  • A Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto, a qual aprova o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo, transpõe o capítulo III da Diretiva (UE) 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, e procede à alteração de Códigos e outros diplomas legais;

  • A Lei n.º 97/2017, de 23 de agosto, que regula a aplicação e a execução de medidas restritivas aprovadas pela Organização das Nações Unidas ou pela União Europeia e estabelece o regime sancionatório aplicável à violação destas medidas;

  • O Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro;

  • O Código do Registo Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de dezembro;

  • O Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, que aprova o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;

  • O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que revê a legislação de combate à droga;

  • O Código do Notariado, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de agosto;

  • O Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro; e

  • O Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro, que procede à procede à sistematização e harmonização da legislação referente ao Número de Identificação Fiscal e revoga o Decreto-Lei n.º 463/79, de 30 de novembro.

Adicionalmente, a Lei 58/2020 vem ainda revogar:

  • O artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 352-A/88, de 3 de outubro (disciplina a constituição e funcionamento de sociedades ou sucursais de trust off-shore na Zona Franca da Madeira);

  • O n.º 3 do artigo 2.º e o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 149/94, de 25 de maio regulamenta o registo dos instrumentos de gestão fiduciária [trust]).

No quadro das alterações referidas acima, destacam-se as operadas no contexto da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (“Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais”) e da Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto (“Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo”).

A Lei n.º 58/2020 vem alterar algumas das definições presentes na Lei de Combate ao Branqueamento de capitais, tais como a própria definição de “branqueamento de capitais”, de “membros próximos da família”, assim como dos “centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica”.

Adicionalmente, a presente lei vem estender o âmbito subjetivo da Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais, acrescentando novas categorias ao leque de entidades obrigadas ao cumprimento dos normativos ínsitos neste regime jurídico. Assim, surgem novas entidades financeiras assim como não financeiras e ainda entidades equiparadas, incluindo, nomeadamente, (i) as sociedades de investimento mobiliário para fomento da economia, (ii) gestores de fundos de capital de risco qualificados, (iii) gestores de fundos de empreendedorismo social qualificados, (iv) fundos de investimento de longo prazo da União Europeia com a designação “ELTIF” autogeridos, (v) Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária em Portugal (“SIGI”), ou (vi) entidades que exerçam qualquer atividade com ativos virtuais.

Finalmente, como forma de beneficiar a transparência e o combate ao branqueamento de capitais no âmbito do mundo digital, a Lei n.º 58/2020 vem introduzir uma definição de “ativo virtual” e de “atividades com ativos virtuais”, sujeitando-se, como referido acima, quaisquer entidades que operem no âmbito desta atividade ao cumprimento dos normativos de proteção contra o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

No que toca ao Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo, destaca-se o facto de este passar a prever a necessidade de atualização da informação constante do RCBE ou a confirmação da sua atualidade para que se possa proceder à dissolução voluntária da entidade obrigada.

Proteção de dados em empresas de seguros, gestão imobiliária e instituições de crédito

Referimos seguidamente quais as alterações pontuais introduzidas pelo legislador português no que respeita a proteção de dados:

a) Aproveitou para atualizar várias referências à Lei n.º 67/98, de 26 de outubro (anterior lei de proteção de dados, a qual foi revogada pela Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto), substituindo-as por referências ao Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) e demais legislação de proteção de dados. Tal sucedeu, em particular, na lei relativa ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo (Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto), por exemplo no que respeita:

  • Aos canais (específicos e anónimos) de comunicação de irregularidades relacionadas com eventuais violações da Lei n.º 83/2017, os quais devem garantir a confidencialidade das comunicações recebidas e a proteção dos dados pessoais do denunciante e suspeito da infração em conformidade com o RGPD e demais legislação de proteção de dados (atualização semelhante ocorrendo quanto aos canais irregularidades previstos no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras);  

  • À obrigação que recai sobre as entidades obrigadas de fornecerem aos novos clientes um aviso geral sobre as obrigações legais a si aplicáveis em matéria de tratamento de dados pessoais para efeitos da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo;

  • Às limitações decorrentes da Lei n.º 83/2017 no que respeita ao exercício dos direitos de acesso e retificação por parte dos titulares dos dados; e

  • Ao reconhecimento legal de que os tratamentos de dados pessoais realizados ao abrigo desta lei são um domínio de proteção de um interesse público importante (anteriormente assinalado como aplicável para os efeitos previstos na lei n.º 67/98 a respeito de transferências internacionais de dados, e que agora deverá ser verificado à luz do artigo 49.º do RGPD).

b) Reduziu para metade o valor máximo da coima aplicável às contraordenações de proteção de dados designadamente à (i) não criação de canais específicos, independentes e anónimos que internamente assegurem, de forma adequada, a receção, o tratamento e o arquivo das comunicações de irregularidades; (ii) ao tratamento de dados pessoais para fins distintos da prevenção do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo, em violação da Lei n.º 83/2017; (iii) à não adoção de medidas de segurança necessárias para assegurar a efetiva proteção da informação e dos dados pessoais tratados; (iv) à ausência de fornecimento aos novos clientes de informações sobre tratamento de dados pessoais, bem como (v) à não eliminação de dados pessoais tratados no prazo estabelecido na Lei n.º 83/2017 (ainda que tal signifique que, no caso das instituições de crédito, o valor máximo da coima seja agora 2.500.000 EUR).

Apesar de as alterações relativas ao tratamento de dados pessoais originadas pela Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto não serem substanciais, é importante que as empresas abrangidas pela Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (desde logo instituições de crédito, mas também empresas de seguros e entidades que exerçam qualquer atividade imobiliária):

  • Assegurem que foram criados os canais de denúncia para efeitos da referida lei e que os mesmos cumprem os requisitos estabelecidos na mesma;

  • Verifiquem e, se necessário, alterem as suas políticas internas de resposta aos pedidos realizados pelos titulares dos dados, para que os seus colaboradores conheçam as limitações ao exercício dos direitos de acesso e retificação que decorrem da mesma;

  • Verifiquem a informação que fornecem a novos clientes sobre as obrigações legais a que a empresa se encontra sujeita no que respeita ao tratamento de dados pessoais para efeitos da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo; e

  • Verifiquem as transferências internacionais (ou seja, as transferências de dados para entidades estabelecidas fora do EEE) que realizam para efeitos da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo e os mecanismos utilizados para assegurar a licitude de tais transferências (tarefa que as empresas deverão estar já a levar a cabo, em termos gerais, após a invalidação do Privacy Shield e definição pelo Tribunal de Justiça da UE da sua interpretação de alguns aspetos das regras relativas a transferências internacionais).